Literatura no TikTok: o meio que engole a mensagem

 OPINIÃO 
05/11/2025 | Tiago Juliani

Nos últimos anos, começou a se repetir uma frase sem que ela fosse realmente compreendida: “na era do TikTok, ninguém lê mais romances densos”. Parece apenas um desabafo nostálgico, mas há uma crítica estrutural escondida aí.

Marshall McLuhan dizia: o meio é a mensagem. A frase é famosa e quase sempre citada sem corpo. Mas ela significa algo muito concreto: as tecnologias que carregam a informação moldam o nosso modo de sentir, antes mesmo do conteúdo em si.

Plataformas como TikTok não estão apenas “falando sobre livros”. Elas estão modelando o que pode ser considerado um livro relevante. Se o romance precisa render clipes emocionais de quinze segundos para circular, então não é o livro que está sendo promovido: é o feed que está colonizando a forma literária.

O leitor contemporâneo não chega ao romance de forma neutra. Ele chega treinado por feeds de alta velocidade, educado na lógica da recompensa instantânea. Ele aprendeu a buscar intensidade antes de complexidade. Tornou-se consumidor de “sentimentos concentrados”, não de processos narrativos longos.

A consequência é que a literatura, quando passa pelas mãos das plataformas, sofre uma redução de temporalidade. Não se trata apenas de “leituras mais curtas”. O que se comprime é o tempo da experiência estética. A literatura que exige demora, como ato de escuta interna, de lentidão, passa a se tornar, não um produto, mas um problema.

E é precisamente aí que a literatura ganha uma dimensão política inesperada: todo romance longo, toda narrativa que exige tempo, toda escrita que pede concentração contínua, se torna hoje uma espécie de gesto de resistência. Resistir é sustentar uma temporalidade humana contra a aceleração do scroll infinito.

McLuhan antecipou esse conflito: não é a história em si, mas o ambiente em que ela é recebida que determina o que ela pode ser. Por isso não faz sentido contrapor “literatura impressa” versus “literatura digital”: o que está em jogo não é o suporte, mas o regime de atenção que governa o leitor.

Talvez a pergunta literária mais urgente de agora não seja “o que estamos lendo?”, mas: como estamos sendo formatados para poder ler?

Este bom e velho blog incide nesse ponto frágil entre uma curiosidade honesta por livros e a suspeita de que estamos vivendo numa época que transforma toda narrativa em clipe emocional. Não se trata de cultuar um passado perdido, mas de recuperar a experiência rara de desacelerar o mundo para compreender uma frase com mais profundidade que um swipe.