O tribunal invisível: o que faz um escritor, escritor?

 OPINIÃO 
07/11/2025 | Tiago Juliani

Há uma espécie de mal-entendido instalado no imaginário: o de que escritor é alguém que publica. Como se o status se constituísse do lado de fora da frase — no catálogo da editora, no ISBN, no convite para a mesa de debates. Mas a literatura não nasce quando o livro chega à livraria. Ela nasce no momento em que alguém encontra um modo singular de pensar através da linguagem. O escritor não é definido pela chancela que recebe, mas pela relação que estabelece com a própria escrita.

E é aí que a escrita criativa aparece como elemento central do nosso tempo. Ela não existe para ensinar truques de narrativa ou para formar profissionais de mercado. Ela existe para dar a qualquer pessoa o direito de produzir a própria voz. Não se trata de técnica para conquistar prestígio. Trata-se de técnica para conquistar presença. A escrita criativa é o espaço em que alguém assume a responsabilidade de construir sua própria linguagem — e isso, em si, já é literatura em potência.

Pense em alguém que escreve diariamente, mesmo sem publicar uma linha sequer. Alguém que anota ideias no celular, que revisa parágrafos em silêncio, que volta ao texto como quem retorna a uma casa interior. Essa pessoa não precisa do reconhecimento externo para existir como escritora. Precisa apenas da continuidade de escrita que sustenta sua própria consciência. O reconhecimento, quando vem, é sempre posterior. O que define o escritor não é o mercado: é o texto.

A pergunta “quem decide o que é literatura?” costuma ser feita como se houvesse um tribunal invisível definindo o que entra ou o que fica de fora. Mas a literatura não se deixa capturar por essa estrutura. Ela se realiza quando o leitor sente que algo ali o desloca, o atravessa, o transforma. E esse efeito não depende de selo, nem de prateleira, nem de prêmios.

Escritor é quem encontra uma voz e a sustenta na página. Escritor é quem precisa escrever para existir. Escritor é quem insiste na frase como lugar de pensamento, mesmo sem plateia. A escrita criativa apenas dá nome a esse processo. O escritor de verdade não é o que espera alguém autorizar sua identidade. É o que escreve. E continua escrevendo. Porque é ali — e só ali — que sua vida encontra forma.