OPINIÂO
06/12/2025 | Tiago Juliani
Tenho pensado nisso com um certo incômodo, e talvez você também já tenha sentido algo parecido: desde que a inteligência artificial começou a ocupar todos os cantos, escrever ficou meio desconfortável. Digo isso especialmente porque eu não sou escritor. Não no sentido oficial da palavra. E, mesmo assim, sempre que publico alguma coisa, me dá a impressão de que existe um olhar desconfiado ali, espiando por trás da tela: “isso foi você mesmo que escreveu?”.
A IA embaralhou completamente essa percepção. De repente, qualquer texto que soe um pouco polido, um pouco alinhado demais, já levanta suspeita. E quando o leitor acha que foi uma máquina que escreveu, a leitura perde graça. É como se a escrita tivesse virado um produto padronizado — e o interesse evapora na mesma hora (olha o travessão suspeito aí! rs).
Só que, ao mesmo tempo, tem acontecido algo curioso. Muita gente — eu incluso — começou a procurar textos que carreguem sinais de vida. Textos que tenham hesitação, respiração, tropeço, alguma marca humana. E isso acaba nos empurrando de volta para quem realmente tem ofício: escritores, jornalistas, pesquisadores, cronistas… pessoas que passam anos afiando a própria voz. No meio desse mar de frases automáticas, a escrita que vem de alguém de verdade começou a aparecer mais.
A IA, sem querer, criou uma espécie de divisão. Antes tudo se misturava: escritores e pessoas que simplesmente escreviam. Agora dá pra perceber a diferença com mais facilidade. Não é só a qualidade — é o jeito como o texto parece ter sido vivido antes de ser escrito. A máquina não vive nada. Ela só produz. E talvez seja por isso que, quando lemos algo que claramente foi escrito por alguém, sentimos imediatamente.
Eu, que não sou escritor, sinto ainda mais essa necessidade de sinalizar: “olha, fui eu que escrevi, mesmo que com falhas”. É quase uma reivindicação de presença. Um jeito de dizer que existe uma pessoa por trás do texto, não um sistema de palavras prontas.
E aí vem a parte interessante: quanto mais a IA escreve, mais a gente procura quem realmente escreve.
Talvez isso seja até um benefício inesperado. A literatura, a crônica, o ensaio, tudo que envolve linguagem pensada com cuidado, acaba ganhando um novo brilho. Porque agora, mais do que nunca, queremos ler quem arrisca uma voz — não quem aperta um botão.