novembro 06, 2025
OPINIÃO 06/11/2025 | Tiago Juliani
Há uma pergunta que circula com a tranquilidade de quem julga estar sendo objetivo: pra que serve a literatura? A pergunta carrega uma exigência silenciosa de funcionalidade, como se ler devesse oferecer um benefício palpável, algum tipo de ferramenta para a vida imediata. É uma pergunta que nasce de um tempo em que tudo precisa ser útil, mensurável, aplicável. O que não produz efeito prático rápido parece luxuoso demais, “inútil” demais, quase fora de época.
Talvez seja por isso que tanta gente recorra às redes, ao feed interminável, aos vídeos motivacionais de impacto rápido. Eles aliviam o cansaço e exigem pouco do sujeito. Eles não pedem silêncio, nem tempo, nem aprofundamento — e o que é essencial aqui: não pedem que a pessoa se transforme em alguém capaz de pensar a própria vida com mais complexidade. Bastam segundos. O algoritmo entrega pequenos significados instantâneos, comprimidos, mastigados, fáceis de consumir. É confortável acreditar que se aprende algo ali.
Mas não se aprende. Se anestesia.
Ao mesmo tempo, existe o fato concreto da exaustão cotidiana. Não é simples sentar para ler depois de um dia inteiro de trabalho, depois de horas de deslocamento, depois de enfrentar a dureza do mundo real. E aqui o problema é duplo: vivemos num sistema que rouba o tempo — e as pessoas, porque estão exaustas, acabam desejando justamente aquilo que exige menos delas. Não é culpa individual, mas também não é só estrutura. É um círculo vicioso: a estrutura nos desmonta, e nós, desmontados, buscamos alívio imediato — o que nos desmonta ainda mais.
E é nesse ponto que a literatura se torna absolutamente necessária.
Porque a literatura não resolve a vida. Ela não oferece atalhos. Ela não traz garantia. Ela não entrega mapa. A literatura faz outra coisa: ela devolve profundidade. Ela restitui camadas. Ela cria espaço interior em meio à saturação. Ela permite que o sujeito seja mais do que executor de tarefas e sobrevivente do dia. Ler é entrar em outras vidas, e nessas outras vidas encontrar recursos simbólicos para compreender a própria.
A literatura não serve para dar respostas prontas. Ela serve para fazer perguntas que ninguém formula quando está correndo.
Por isso, a pergunta “pra que serve?” está mal colocada. A literatura não serve ao mercado. Não serve ao algoritmo. Não serve à lógica da eficácia. Ela serve ao indivíduo que ainda deseja ser sujeito — não apenas usuário, consumidor, peça.
E talvez seja exatamente isso que a torna tão necessária num tempo como este.
A literatura serve ao que resta de humano em nós, quando todo o resto nos empurra a caber em uma função.